Soltar Amarras
por João Santos
Nunca foi pessoa de grandes palavras, aquele homem de pele queimada pelo sol, típico de quem passa o dia a navegar por entre as ondas de um mar agitado. Na verdade, rasgar a água era a única parte do seu dia que fazia sentido, era ele e o mar e o vento, era ele e uma infinidade de destinos que tinha à sua frente. Era ele e a sua vontade de querer correr o mundo e não olhar para trás.
E todos os dias tinha aquela vontade louca de correr o oceano, aquela coragem que lhe invadia o corpo e que fazia com que, quando acordasse, içasse a vela ainda antes de tomar o pequeno-almoço. Há muitos anos que tinha decidido fazer do barco a sua casa, como que com medo de perder a sua oportunidade, mas de uma forma ou de outra todos os dias deixava-a passar, a coragem rapidamente transformava-se em cobardia e retornava sempre à mesma doca. Quem por ali partilhava com ele aquele espaço começava a achar que aquele barco por ali ficaria até ir ao fundo e que inevitavelmente o seu dono se afundaria juntamente.
Ele por sua vez, continuava na sua ilusão de que um dia, conseguiria manter a coragem para sempre, sem ter medo do que o mar lhe iria trazer. Sabia que tinha de o fazer se não quisesse chegar ao fim dos seus dias com a amargura de querer e não ter sido forte o suficiente para o fazer. Sabia que pensar nos "ses" da vida lhe iria consumir os dias. Sabia disso tudo e ainda assim voltava à doca todos os dias, o medo de falhar impedia-o sempre de navegar.
Mas se há coisa engraçada no tempo, para além de curar, é perceber que um dia deixa de haver tempo e então acordou, tomou uma chávena de café, como aliás sempre fazia, içou a vela, colocou o barco a navegar em direcção ao nascer do sol e nunca mais parou. Pela primeira vez na vida foi verdadeiramente feliz, porque difícil é encalhar e nunca ter saído da doca.
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