quinta-feira, 12 de março de 2015

À Conversa com Emílio Miranda, autor de uma vasta colectânea de êxitos literários


Emílio Gouveia Miranda, nasceu em Luanda, Angola, a 28 de Março de 1966. Em 1975, em resultado da guerra colonial, vem para o norte de Portugal, de onde os pais são originários. Durante o resto da sua adolescência reside em Vila Real, onde começa a escrever os primeiros textos que compõem esta obra, em 1986, pouco antes de iniciar o serviço militar, cuja carreira vem a seguir, ao ingressar no Curso de Formação de Sargentos. Apaixonado pela História e pelo mundo medieval, de que esta obra é exemplo, além de «A Princesa do Corgo» já terminou o seu próximo romance a publicar: «Teppô-Ki - O Livro dos Mosquetes». Emílio Miranda presta serviço no Campo Militar de Santa Margarida e reside actualmente em Vila Nova da Barquinha.
O Marcas de Leitura esteve à conversa com Emílio Miranda autor de uma vasta colectânea literária e de uma simpatia extrema.
A 19 de Março vai sair o novo livro do autor 1089 - O Livro Perdido dasOrigens de Portugal” editado pela Marcador Editora em parceria com a RTP, título da coleção "Livros RTP". Trata-se de uma iniciativa para divulgar e promover autores nacionais.


1)     Fale-nos um pouco sobre si. Quem é o Emílio?

Nasci em Luanda, Angola em 1966 e vim para Portugal em 1975, depois de ter convivido um pouco com o ambiente de guerra que então imperava naquelas paragens. Porque era a única coisa que «para o fim» imperava de um império a desagregar-se. Tinha, portanto 9 anos e a minha vinda fez-se nas condições mais inesperadas e surpreendentes. Chegamos em pleno inverno – uma das lembranças mais vivas é de que tudo estava branco de geada em Vila Real. Foi um choque em quase tudo, que me abriu portas, janelas e corredores temporais. Sem querer, viajei quase para a Idade-média o que, confesso, acabou por ser fascinante, apesar de todas as dificuldades associadas.
Aprendi muito cedo a lidar com a sensação da perda, mas também com a sensação da descoberta «para lá da imaginação». Julgo que isso me marcou definitivamente e hoje percebo melhor do que muitos o custo das perdas, mas também o fascínio dos achados da vida.

2)     Como começou a sua paixão pelos livros?

A minha paixão pelos livros é algo tardia, pelo menos considerando que toda a minha infância tinha sido de convivência com eles: o meu pai era um leitor e colecionador muito interessado. No entanto sempre apreciei mais as imagens do que as letras e antes da leitura dos livros fui contagiado pela «leitura» das imagens. A banda desenhada é a minha primeira paixão, que vinha também de um gosto pelo desenho e pela ilustração. É só com 15, 16 anos – tanto quanto me recordo – que leio o meu primeiro livro. E foi paixão imediata que nunca mais cessou. Hoje, literatura e banda desenhada caminham de mãos dadas.

3)     Quando e como surgiu o gosto pela escrita?

O gosto pela escrita é sempre uma reação ao gosto pela leitura. Quando lemos bastante e passamos a apreciar o que lemos e simultaneamente a questionarmos o mundo que nos rodeia – coisa que sempre fiz – julgo que a evolução acaba por dar-se de forma lógica ou não, percetível ou nem por isso. O que acontece é que apreciamos tanto o que lemos que desejamos, a partir de certa altura, superar aqueles que escrevem as coisas que tanto apreciamos. E começamos a tentar fazê-lo. De facto, só ao fim de muitas milhares de páginas rascunhadas é que começamos a apanhar-lhe o jeito. E, claro, de muitas dezenas de livros lidos.
O primeiro livro que escrevi – pelo menos o primeiro que escrevi em letra de forma, não contando com os que escrevi à mão e destrui mais tarde -, ainda inédito e julgo que para sempre inédito, apesar de algumas qualidades e «momentos» felizes, foi um grande desafio, findo o qual, comecei na acreditar que poderia fazer «aquilo» mais vezes. E fiz. Não parei desde aí.

4)     Como consegue conciliar a carreira de Militar e de Escritor?

São perfeitamente conciliáveis. Houve um tempo em que não escrevia todos os dias, mas apenas quando podia, me apetecia ou dava jeito. Tanto assim que o meu primeiro romance histórico – A Princesa do Corgo -, sobre a fundação de Vila Real, acabou por ser um projeto que me acompanhou ao longo de cerca de 22 anos. Amadureceu e cresceu comigo. Hoje escrevo todos os dias, e nos momentos mais inesperados.

5)     De onde surgem os seus personagens, tem algum favorito?

As minhas personagens surgem quase sempre primeiro do que o próprio enredo dos meus livros. Penso numa história, ou em algo que desejo contar, como quem pretende fazer uma viagem a uma época. Inicialmente sei apenas que pretendo ficar entre dois pontos e de imediato começo a pensar em personagens fantásticas, tão fantásticas que muitas têm tanto de nós quanto nós delas próprias. São as personagens que me levam através da história. Limito-me a dar-lhes vida própria e são elas que acabam por ganhar a sua própria tri-dimensão. No fundo são elas que me levam pela mão e me contam a história das suas vidas. Surpreendo-me sempre com o que têm para me contar. De todas as personagens até hoje criadas – e julgo que já serão umas dezenas -, a maioria das que mais me fascinam são femininas. As mulheres são seres fascinantes, com enorme força e cujas personalidades acabam por ser mais marcantes nos meus livros. Não vou citar nenhuma, por respeito a todas.

6)     Qual o sentimento ao editar um livro pela Coleção livros RTP? 

De enorme orgulho. Não era algo que esperasse, se bem que a Marcador fosse uma Editora que eu já apreciasse imenso, não obstante a sua juventude. Ser – julgo – o autor do 14º Livro RTP é uma honra enorme para mim, que espero retribuir com o reconhecimento, por parte das leitoras e leitores, do meu trabalho como autor.

7)     Já alguma vez se deparou com alguém a ler um livro seu? Se sim, como se sentiu?

De facto não, mas sempre desejei que isso acontecesse. Um dia destes, quem sabe…

8) Qual a sensação, ao deslocar-se a uma superfície comercial, e ver os seus livros à venda?

De enorme satisfação. É o mesmo que ver sonhos transformados em realidade. É um pedaço de mim que está ali, disponível a todos. Pensamentos, emoções, imaginação, horas e horas de trabalho, mas sobretudo de prazer, de persistência…

9) Quando está a escrever um livro partilha a história com alguém para se aconselhar?

Normalmente não, a não ser com pessoas muito próximas. Para mim o ato da escrita é um ato muito solitário. Como acredito que um livro tem tudo para nunca chegar a sê-lo e pouco para que se transforme numa obra acabada (há inúmeros desafios que podem ditar que um livro não passe de um projeto, que nem imaginam: julgo que algumas personagens acabam por recusar-se a contar as histórias das suas vidas…), nem sempre é possível concluí-los e às vezes acabam por «morrer» ao fim de algum tempo, ou levam muito mais tempo a tornar-se realidade, falar deles «antes do tempo» é algo que evito. Tenho livros que comecei depois e acabei antes e outros mais antigos esperam ser concluídos. Isto porque não faço planos: deixo que os livros se escrevam, ou, melhor dito, que as personagens se revelem. Só por curiosidade: quando conclui o meu primeiro livro e já prestes a ser publicado, nem os meus irmãos imaginavam que isso pudesse vir a acontecer e julgo que foram as pessoas mais surpreendidas na altura.

10) Qual o seu autor e livro preferido?

Tenho muitos. Portugueses, Norte-americanos, Russos. Exemplos de livros que me marcaram: os primeiros de António Lobo Antunes, O Nome da Rosa de Umberto Eco, Doutor Jivago de Bóris Pasternak, Crime e Castigo de Dostoiévski, Germinal de Emile Zola, Xógum de James Clavell, Os Pilares da Terra de Ken Follet, e tantos, tantos outros das mais variadas literaturas. Não esquecer José Saramago, o nosso Nobel, bem como muitos outros. Não esquecer livros grandes em tamanho e grandes em dimensão, como sejam livros de 1000 páginas ou de meras dezenas. O Silêncio do Mar de Vércoir, A Pérola de Steinbeck, O principezinho de Saint-Exupéry são exemplos de livros pequenos em tamanho e enormes em dimensão.

11) Segue o género literário do seu autor preferido, ou adopta
outro?

Os meus autores preferidos são os mais variados e de géneros diversos. Procuro não seguir nenhum, apesar de me sentir inspirado por todos, e em seguir o meu próprio.

12) Quando termina de escrever um livro, qual a sensação?

Cada livro é um livro. As dificuldades são diferentes de livro para livro e, por si, a satisfação também é diferente. Há livros que quase nos arrancam lágrimas de orgulho e, dentro de todos, textos que o fazem com certeza. Escrever um livro é viajar por emoções desconhecidas, para além de visitar dimensões insuspeitas e muitas vezes inesperadas.

13) Como vê o momento actual da Literatura em Portugal?

Bem e menos bem. Produz-se muito. Produz-se muitas vezes sem outros critérios que não os de simples merceeiros. Temos atualmente grandes nomes, grandes escritores, mas existe um mercado que consegue vender o que «não presta» em detrimento do que realmente tem valor. Misturaram-se conceitos e muitas editoras não passam hoje de tipografias à procura de pseudoescritores interessados em editar «qualquer coisa», sem que alguém se preocupe em dizer-lhe que – eventualmente - «ainda» não têm a necessária qualidade para o fazerem. São prestadores de serviço que, a troco de um pagamento antecipado, editam «coisas» medíocres. Mas este é o preço a pagar por vivermos numa sociedade de oportunidades, aberta a desejos pessoais, mais do que ao interesse do coletivo.

14) Como vê a divulgação dos bloggers literários?

Com grande interesse, apesar de não seguir muitos, muito por falta de tempo. Vivo para escrever e para ler livros e confesso que nem sempre procuro as opiniões dos que leem e se predispõem a divulgar as suas opiniões.
De qualquer modo há que realçar que os bloggers são hoje os mais sérios e empenhados críticos literários. Não obedecem senão à sua consciência. Ou gostam ou não gostam.

15) Quer deixar alguma mensagem especial aos seguidores do blog Marcas de Leitura? 

Ler é viajar, de uma assentada, por vários universos – o próprio, o do autor e os de eventuais leitores que já manifestaram as suas opiniões relativamente ao que estamos a ler. Por isso, e contrariamente à opinião de que os livros estão muito caros, o que não deixa de ser verdade, acaba por ser mais barato ler do que viajar para outras realidades, países e épocas. Sem esquecer que muitas viagens não são ainda possíveis, como sejam as que se fazem no tempo, através da leitura de um romance histórico, como este que nos leva aos primórdios da nacionalidade; ao embrião daquilo que somos enquanto país e nação.
Um grande país e uma grande nação: refira-se!

Obrigada Emílio pelas agradáveis e gentis palavras com que nos brindou e pelo tempo que nos dispensou.
Desejo-lhe os maiores sucessos!



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