Carla M. Soares, nasceu em 1971, em Moçâmedes, no Namibe. De lá, trouxe escassas memórias
e a viagem no corpo.
Formou-se em Línguas e Literatura em Lisboa, tornou-se professora, mestrou em Literatura Gótica e Film Studies e estudou História da Arte num doutoramento incompleto.
Filha, mãe, mulher, amiga, leitora e escritora compulsiva, viaja pelas letras desde sempre.
Formou-se em Línguas e Literatura em Lisboa, tornou-se professora, mestrou em Literatura Gótica e Film Studies e estudou História da Arte num doutoramento incompleto.
Filha, mãe, mulher, amiga, leitora e escritora compulsiva, viaja pelas letras desde sempre.
Bom dia Carla, desde já obrigada por nos ter cedido alguns minutos do seu tempo.
1) Carla,como
começou a paixão pela literatura?
Leio desde
que me lembro.Quando era miúda, havia muitos momentos em que preferia ficar a
ler no meu cadeirão vermelho, do que brincar. Nenhum livro durava nas minhas
mãos, pelo que o que os meus pais me compravam de duas em duas semanas não
chegava, nem Os Cinco, nem a colecção Patrícia…. Acabei por ler, entre os 9 e
os 15 anos, quase tudo o que havia lá por casa, incluindo alguma coisa de Eça
de Queirós, Júlio Dinis e outras distribuições do Círculo de Leitores … Li o Servidão Humana aí aos 11, 12 anos e, quando voltei a
lê-lo, apercebi-me de que tinha adorado sem perceber nadinha… Tudo isto para
dizer que a paixão é mesmo muito antiga, se calhar nasceu comigo, e foi bem
alimentada em criança.
2) Quando e
como surgiu o gosto pela escrita?
Na
adolescência tinha um diário terrivelmente embaraçoso e escrevia uns contos
horríveis.No final da adolescência, escrevi poesia. Depois percebi que tudo era
mau, mesmo mau, e parei. Cresci, aprendi, li, li, li o que tinha que ler para o
curso e o que me apeteceu. Já era adulta, profissional e mãe quando, ao
terminar a leitura de um mais um livro de fantasia (não sei se terá sido
Tolkien, Ursula LeGuin ou Juliet
Marillier), tinha história na minha cabeça e quis saber se tinha fôlego para
levá-la até ao fim. Foram mais de 300 páginas, acabadas durante um surto de
varicela em minha casa – que eu também tive, aos 33 anos! Ainda adoro essa
história, A Dama do Rio. Nunca mais parei, embora tenha mudado alguma coisa.Mas
isso é inevitável, não é? E
bom.
3) Faz da escrita a
sua profissão ou não?
Não, não faço,
nem acredito que venha a fazer.Creio mesmo que, por cá, isso é para uma meia
dúzia de autores, uns felizardos que conseguem aquilo que a maioria dos que
escrevem (os que escrevem bem, mais ou menos e mal) sonham. Sou professora, que é do que vivo e me ocupa quase todo o
tempo – e ocupa mesmo muito tempo, ao contrário do que uma grande parte das pessoas
pensa – e escritora nos tempos livres. Escreveria mais, e se calhar melhor, se
tivesse mais disponibilidade…
4) De onde surgem os
seus personagens, imaginação ou realidade?
A
generalidade das personagens são imaginárias, embora nos livros com base histórica
surjam algumas figuras secundárias que um dia foram alguém no panorama
português. No entanto, creio que não há nenhuma personagem que não cresça do
conhecimento que temos do mundo e dos outros e, por isso, todas contêm
pedacinhos de nós e de gente que fomos conhecendo, no mundo real ou noutros
livros, de arquétipos e valores essenciais e de sentimentos autênticos, bons,
maus e mais ou menos, porque o mundo não é preto e branco. Se assim não fosse, as
“pessoas” nos livros seriam provavelmente unidimensionais e pouco credíveis.
5) Dos livros
que já escreveu, qual o seu personagem favorito?
Não estou
certa de saber responder a isso. Tenho que sentir alguma coisa pelas
personagens no momento da escrita, ou não consigo escrever sobre elas, ter
empatia.Favoritos?Neste momento, Noam, o protagonista, e mais ainda Eivi, uma
rapariga muito combativa, ambos do livro de fantasia que estou a rever agora,
apenas porque sim. É o meu livro do coração, e não tenho um motivo para isso,
nem preciso. É como comfort food,
ataco-o sempre que preciso de ânimo…
6) Já alguma
vez se deparou com alguém a ler um livro seu? Se sim, como se sentiu?
Há dias,
quando entrei numa pequena livraria, vinha a sair uma senhora que tinha acabado
de comprar o último exemplar de O
Cavalheiro Inglês, e, segundo a livreira, tinha-o deixado encomendado. Noutra
ocasião, uma funcionária da escola veio dizer-me que, ao seu lado no transporte
público, vinha uma pessoa a ler o Cavalheiro… É uma sensação mesmo muito boa! Muito boa.
7) Qual a
sensação, ao deslocar-se a uma superfície comercial, e ver os seus livros à
venda?
Fantástica,
sobretudo se estão de alguma forma em destaque! Numa montra é delicioso, embora me dê também uma certa
timidez… Também gosto de saber que já houve e já não há, embora fique sempre a
pensar se a livraria pedirá ou não a reposição…
8) Quando
está a escrever um livro partilha a história com alguém para se orientar?
Não. Por
vezes, partilho excertos, se mais insegura, apenas para saber se suscita
curiosidade, se vou no bom caminho, mas não a intriga completa. No fim, quando encerro a primeira versão, encontro em geral
algumas pessoas que o leiam e opinem com honestidade, para depois passar às
várias revisões que o livro costuma ter.
9) Qual o seu autor e
livro preferido?
Pergunta que,
ou me deixa em branco, ou me traz uma enxurrada de nomes e títulos. Nem tenho
um género favorito! Leio com o mesmo prazer um contemporâneo ou um romance de
época, um livro policial ou um livro romântico, um de fantasia ou algo realista,
se bem escritos e coerentes.Só excluo definitivamente os livros de auto-ajuda
ou espirituais, para os quais não tenho a menor paciência, e, em geral, os
relatos dramáticos da vida real.Para esses, prefiro as notícias. Alguns livros
que me deram muito, muito gosto ler… por exemplo, A Sombra do Vento, Cem Anos
de Solidão, O Senhor dos Anéis, A Virgem das Amêndoas, Rama, Manhattan
Transfer, A Filha da Floresta, A Cidade
e as Serras, A Centelha da Vida, A Tábua da Flandres, A Boneca de Kokoshka, O
Monte dos Vendavais, O Palácio da Lua, A Tenda dos Milagres, Patagonia Express,
A Mulher-Casa… E com estes, deixei
tantos, tantos de fora!
10) Segue o género
literário do seu autor preferido, ou adopta outro?
Nisto remeto
para a resposta anterior.Não tendo um género favorito, menos ainda um autor
favorito, não posso seguir esse género. De qualquer forma, gosto de ter uma voz
própria, reconhecível, mas incomoda-me um pouco a ideia de um dia me ver
formatada ou repetitiva. Só tenho publicado textos com uma componente
histórica, de época, mas o A Chama ao Vento tem uma parte contemporânea e tenho
fantasia na “gaveta”.Foi, aliás, por onde comecei e de quando em quando
regresso a ela.Gostaria de um dia publicar algo desse género.
11) Quando
termina de escrever um livro, qual a sensação?
Com tem que
ter um fim, tem dois; quando acabo o primeiro esboço, ou seja, fecho o
essencial do enredo, e quando encerro as revisões, o que para mim só acontece
quando a editora diz “tem que ficar pronto dia X”. Até aí, todos os originais estão
sujeitos a revisões ocasionais, com a pequenas (ou grandes) alterações e correções
linguísticas.Uns têm tido mais, outros menos.O Cavalheiro teve muito pouca, por
exemplo.A sensação é, ao mesmo tempo, de alívio, “está feito”, e de
insatisfação, porque para mim há sempre alguma coisa que podia, devia, queria
melhorar.E é por isso que fujo a ler o que já publiquei e não posso alterar!
12) Como vê o
momento actual da Literatura em Portugal?
No seu
conjunto, diria que a oferta literária nacional é actualmente muito
interessante, há excelentes autores entre os que têm anos de experiência e os
mais recentes,que têm vindo a confirmar a sua qualidade nos últimos anos (estou
a pensar, por exemplo, no Afonso Cruz) e que há bons autores de géneros
diversificados a chegar ao mercado. O
português, porém, tem tendência para desconfiar do que é nacional, sobretudo se
não for consagrado ou premiado…Para além disso, o público
português ainda lê pouco, pelo menos é o que indicam as estatísticas e o que
verifico sempre que ando de transportes públicos – poucos têm um livro na mão. Tenho
alguma esperança nos mais jovens, que vejo com mais frequência a ler do que há
uns anos, talvez estimulados pelo facto de haver uma literatura jovem muito
direcionada para eles… quase toda internacional.
Diria também,
na perspectiva do autor pouco conhecido,que é muito difícil“romper” a barreira,
não só a da primeira publicação, mas a da segunda também. A maioria das editoras prefere apostar
essencialmente no que possa assegurar vendas com um mínimo de promoção, ou seja,
em autores de sucesso comprovado, nacionais ou internacionais. Felizmente, ainda escapam a esta perspectiva algumas
editoras, que vão arriscando novos nomes e lhes permitem o tempo para adquirir o
seu público e crescer, mesmo que não sejam sucessos de vendas estrondosos no
romance de estreia…Num mercado que desconfia dos seus autores, raramente uma
primeira obra é best seller, com a
excepção de algumas (raras) obras excepcionais ou excepcionalmente bem
promovidas.
13) Como vê a
divulgação dos bloggers literários?
Julgo é
bastante importante neste momento, sobretudo para autores recentes, com pouca
penetração no mercado através de outros meios, como revistas, jornais, TV, etc,
e que algumas editoras começam a ter essa noção. Todavia, por vezes
interrogo-me se não será um pouco o efeito de pescadinha de rabo na boca, se os
bloguers literários não falarão um pouco uns para os outros – ou todos para os
mesmos leitores, os que apreciam as blogosfera e seguem vários blogues. Essa
talvez fosse uma questão interessante de ver discutida, não apenas por bloguers,
mas por seguidores e leitores em geral. Quem, afinal, faz escolhas seguindo
opiniões de blogues (e, já agora, do Goodreads?)
14) Quer
deixar alguma mensagem especial aos seguidores do blog Marcas de Leitura?
Ler enriquece
o coração e o intelecto, ajuda a compreender este mundo doido e deixa-nos fugir
dele de vez em quando, por isso leiam muito e bem, leiam romances, contos,
manga, poesia, leiam o que quiserem, sem vergonha ou preconceito – é tão fácil
tê-los! Leiam o que vos traz
conhecimento, o que desafia e estimula, ou o que traz conforto, leiam
Para já fico-me por aqui e agradeço desde já a sua disponibilidade e
simpatia.
Muito obrigada Carla, desejo-lhe os maiores sucessos!
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