Catarina Resende
é uma jornalista e escritora portuguesa. Licenciou-se em Ciências da Comunicação pela Universidade Nova de Lisboa, em 1994,e frequentou o Mestrado de Ciência Política - Cidadania e Governação da Universidade Lusófona. Trabalhou como jornalista em Bruxelas e em Lisboa, passando posteriormente para a assessoria de Imprensa. Presentemente é directora de comunicação do Hospital D. Pedro, em Aveiro. Publicou os romances Do Lado Errado da Noite e Amo-te de Morte .
Estivemos à conversa com Catarina Resende de uma simpatia extrema.
Obrigada pelas simpáticas e gentis palavras com que nos brindou e pelo tempo que nos dispensou.
1) Catarina fale-nos um pouco sobre si?
Nasci com o cheiro do mar, em Ílhavo, distrito de Aveiro, há 42
anos.
Comecei a falar aos 9 meses e não mais me calei. Foi
muito cedo que comecei a dizer que queria ser jornalista e fiz todo o
percurso escolar com esse grande objetivo: entrar para um curso de comunicação
social. Foi o que, felizmente, aconteceu em 1990, quando entrei para a
faculdade de ciências sociais e humanas da Universidade Nova de Lisboa.
A faculdade e a grande cidade inauguraram uma nova fase da minha vida,
cheia de experiências boas, e algumas mais decepcionantes.
Quando andava no 2º ano, fui convidada para colaborar num programa
literário televisivo que passava no canal 2 da RTP (Uma questão de palavras).
Basicamente, tinha de ler livros e entrevistar os autores. Encantei-me com
o trabalho e, ainda por cima, pagavam-me.
Depois, foram as primeiras experiências profissionais. Estive em
Bruxelas, na Comissão Europeia. Fui Jornalista no Semanário. Fui sócia de
uma empresa, que não correu bem. E depois passei por uma grande agência de
comunicação, onde conheci gente maravilhosa e com quem muito aprendi. Passados
16 anos em Lisboa, regressei a Aveiro para abrir o Gabinete de comunicação de
uma instituição de saúde, onde me mantenho.
O mais importante: sou mãe de dois garotos traquinas, com quem
descobri a mais avassaladora forma de amor e com quem aprendo todos os dias.
Perdi, há pouco tempo, a minha mãe e a cratera que esta perda abriu
está, em mim, intacta.
Estou, portanto, à flor da pele e, estranhamente, é quando assim estou
que mais escrevo. Será, talvez, uma forma de sublimação.
E vou parar por aqui porque quando, no início, disse que comecei a
falar aos 9 meses e não mais me calei estava a falar de forma
literal...
2) Quando começou sua paixão pelos livros e o gosto pela escrita?
Tive a felicidade dos livros fazerem sempre parte da minha vida. Fui
menina que ouviu muita história antes de dormir. Quando aprendi a ler, comecei
a devorar livros: das aventuras infanto-juvenis, às fábulas mais tradicionais e
comecei a encher diários sobre diários. Já na adolescência, fui escrevendo
contos e, aqui e ali, ia ganhando pequenos prémios e umas menções
honrosas, o que, sobretudo nessas idades, é sempre estimulante.
Foi nessa fase também que comecei a colaborar com jornais regionais.
Depois veio Lisboa e a faculdade e foi logo no primeiro ano
que escrevi aquilo a que hoje chamo o meu primeiro romance. O
Amor é Amarelo, foi o título que lhe dei. Está guardado, na gaveta da
esperança, à espera da coragem necessária para reler os sonhos dos 20 anos
que, seguramente, contém.
Quando entrei nos trinta, decidi começar a escrever de forma mais
sistemática e com disciplina. Já tinha frequentado uns tantos cursos de escrita
criativa e afins e precisava exercitar. Foi um período de muita transpiração.
Aos fins-de-semana, fazia horário laboral e, fechada em casa, longe dos amigos
e da família, tentava escrever o primeiro livro que queria dar à prela.
Nasceu o Amo-te de Morte e, quase de seguida, o Do Lado Errado da Noite.
Tive a sorte de os ter dado a ler a um editor que me deu a felicidade de
os publicar (Obrigada, Manel Reis). Correu bem.
3) “Quase feliz” é o seu terceiro livro, como se sente depois de alguns anos sem editar?
O Amo-te de Morte foi lançado em Dezembro de 2006 e o meu filho
mais velho nasceu em Fevereiro de 2007.Dois anos depois nasceu o mais novo. A
maternidade, e o resto da vida, deixaram-me sem tempo (e acho
também que sem vontade). Foi quando comecei a habituar-me às novas rotinas que
a chegada de duas crianças sempre obriga que voltei a sentir alguma necessidade
de voltar às estórias.
Comecei a escrever o Quase Feliz no início da doença da minha mãe. Era
sempre ela que me corrigia os textos, não só por ser professora de português
mas, sobretudo, por ser dona de uma sensibilidade e bom senso ímpares. Acelerei
a escrita. Queria que o lesse. Porque era um projeto que falava de
histórias que conhecíamos e que nos faziam gargalhar. Leu-o e não
gostou. " A realidade é bem mais intensa do que a tua escrita".
Foi entre o ofendida e o lutadora que me voltei a fazer ao texto e segui
os seus conselhos. Foram os derradeiros.
Depois, foi o adeus e precisei de tempo para disfarçar a dor. Agora,
dois anos depois, quis publicar. Em homenagem a ela e para que saiba que vou
continuar a insistir.
O que mudou dos primeiros livros para este?
Bom, acho que tenho agora mais segurança e maturidade e, por isso, foi a
dobrar o prazer que senti por dar a conhecer aos outros estórias e personagens
por mim criadas.
Há uma coisa, no entanto, que se mantém exactamente igual: a ideia de
que quanto mais se escreve, mais consciência temos de que o caminho para fazer
melhor é longuíssimo. Mas esta sensação não é necessariamente má.
4) Qual a sensação ao editar este livro pela Capital Books?
É sempre bom trabalhar com amigos, sobretudo quando nos identificamos
com a forma com que levam a vida. Acompanhei, quase desde o início, a fundação
da Capital. Já conhecia a energia que as pessoas da Capital empregam em tudo o
que fazem. Foi, portanto, uma experiência que resultou muito bem e que, espero,
tenha continuidade.
5) Quando terminou de escrever o livro, qual o sentimento?
Tenho a sensação que um livro é sempre uma obra inacabada. Porque quando
achamos que o terminámos, recomeçamos a leitura e continuamos a alterá-lo.
E, no meu caso, é imperativo dar um prazo limite. Até chegar a esse
prazo é um sufoco. Sempre a mudar, sempre a achar que podia estar melhor,
sempre com vontade de escrever outra que não a estória que escrevemos. Há
um dia em que isso acaba e, quando se envia o ficheiro, é sempre um enorme
alívio.
6) Quer falar-nos um pouco acerca deste seu último livro?
O Quase Feliz reúne um conjunto de estórias e de personagens que,
oriundas do norte e do sul do país, se acabam por cruzar. Têm nada em
comum, exceto o serem apanhadas pelos acasos da vida (no caso, heranças)
que lhes vão determinar o futuro. O livro começa com o funeral de um
milionário excêntrico que, apesar de morto, continua a influenciar a vida dos
que cá deixou. Trata-se de gente que, presumo que como todos nós, aspira pela
felicidade e luta por ela, com essa certeza de que sou militante, de que
não há plenitude na felicidade. É-se sempre Quase Feliz e é este quase que
nos faz levantar todos os dias e continuar a luta.
7) Qual o seu autor e livro favorito, segue o seu género literário?
Tenho muitos autores e muitos livros que começaram a fazer parte de mim.
Agrada-me a escrita colorida e fantástica dos latino-americanos. Sou fã de
Vargas Llosa, de Sepúlveda, de Garcia Marquez e de Isabel Allende. Gosto do
ritmo e do cheiro das histórias.
Recentemente, houve um livro que mexeu muito comigo: O Filho
de Mil Homens, do Valter Hugo Mãe. Andei inebriada com a beleza daquela
história. E, tenho já a certeza, de que será, para sempre, um dos livros da
minha vida.
Agora, na mesa de cabeceira tenho a Ridícula Ideia de Não te Voltar a
Ver, da espanhola Rosa Montero e o Complexo de Portnoy, do Philip Roth. Estilos
diferentes, mas que agarram.
Mas a verdade é que, se pudesse, se tivesse engenho para isso, seguiria,
claramente, o realismo fantástico dos latino-americanos que falei atrás.
Começa-se a ler e não se consegue parar e é isso que se quer de um livro, não
é?
8) Já se deparou com pessoas a ler o seu livro? Se sim, qual a
sensação?
Sim. Para lá dos amigos e dos conhecidos, houve uma ou outra
situação em que vi um dos meus livros nas mãos de desconhecidos.
Lembro-me, por exemplo, de ter visto uma senhora com o Amo-te de Morte na
praia. Fiquei muito nervosa e dei por mim a fugir.
O Do Lado Errado da Noite também serviu de adereço para a mesinha de
cabeceira duma personagem de uma novela portuguesa. Quando me disseram,
vi dois ou três capítulo da dita telenovela só para apanhar a imagem do
meu livro. E sim, lá estava ele. E foi engraçado.
9) Como vê o momento actual da Literatura em Portugal?
Não sou, por natureza, pessimista. Tenho a sensação de que nunca se
publicou tanto em Portugal e não me parece nada mal que assim seja. Antes pelo
contrário, demonstra o gosto crescente pela escrita. Só escrevendo e
lendo muito é que nos tornamos mais exigentes quer como leitores, quer como
escritores.
O digital traz também uma série de novas possibilidades que vão obrigar
o mercado livreiro tradicional a repensar-se. Acho, portanto, que o melhor está
ainda para vir.
10) Como vê a divulgação dos bloggers literários?
Ora aqui está a questão que, na prática, corrobora o que
dizia anteriormente.
Hoje a vida das pessoas tem grande expressão nas redes sociais e os
bloggers literários têm um papel fundamental na evolução da literatura,
desde logo porque são quem dão espaço a pessoas que, como eu, têm o gosto
pela escrita, escrevem e publicam, mas não estando no mainsystem, têm
dificuldade na distribuição e divulgação dos seus trabalhos. Os bloggers
quebram esta falha e, necessariamente, obrigarão à revisão do modus
operandi dos agentes mais tradicionais.
A rede, em geral, deu novo fôlego à democracia e à liberdade. No
caso particular da literatura, os bloggers deram a possibilidade que
aumentasse quer o número de leitores, quer o números de escritores em Portugal
e isso é ótimo.
11) Quer deixar alguma mensagem especial aos seguidores do blog Marcas de Leitura?
Ler é sempre o melhor remédio. Escrever também, mas ler é magnífico.
Torna-nos pessoas mais robustas e dá-nos sempre a possibilidade de, como no
cinema, viver na nossa várias vidas.
O Marcas de Leitura é um excelente ponto de encontro, onde podemos
partilhar uma das partes encantadas das nossas vidas: a parte das
histórias que lemos e que escrevemos.
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