segunda-feira, 4 de maio de 2015

A menina de Olhão por Bárbara V.


Desde que nascera que dava para ver que havia qualquer coisa de diferente com aquela menina. Cabelo não tinha nenhum, mas tinha uns olhos tão grandes que mesmo que tivesse algum cabelo ninguém repararia nele. E logo nesse dia causou muitas discussões:
 
Mãe: “Com uns olhos tão grandes não pode ter saído ao meu lado da família.”
Pai: “Não comeces com essas coisas que nunca houve nada assim do meu lado!”
E claro, os vizinhos não tardaram em fazer piadinhas:
Vizinha do 2º direito: “Essa deve ser de Olhão.”
Vizinha do 3º esquerdo “Quando crescer ainda vai jogar para o Boavista.”
Vizinha do R/C onde era uma mercearia: “Aposto que a frase preferida dela vai ser: Grandes olhos te vejam.”
 
Os pais, coitados, não conseguiam esconder a tristeza de ter uma filha assim. E decidiram que pelo menos até ela ter idade para ir para a escola, ficaria fechada em casa, para ver se os vizinhos se esqueciam. Ou se a cabeça dela entretanto crescia e disfarçava o tamanho dos olhos.
E assim, a menina cresceu, mas os seus olhos cresceram com ela. O que conhecia do mundo era apenas pelo que via da janela do quarto. À noite, sempre que olhava para a lua cheia dizia para si mesma que devia ser o olho do céu. Mas como, por mais que olhasse nunca via o outro olho, pensava:
 
“Coitadinho do céu, é zarolho.”
 
Quando fez 6 anos a menina lá foi para a escola.
A professora sentou-a na última fila, porque não gostava de ter aqueles grandes olhos ali à frente. Assustavam-na.
No recreio todos os meninos gozavam com ela e diziam que dava para jogar à bola com um dos seus olhos, por serem tão grandes.
 
Com o passar dos anos aprendeu a esconder os seus grandes olhos, para dar menos nas vistas. Deixou crescer a franja quase até à ponta do nariz e usava-a sempre penteada para a frente. Aprendeu também a gostar de passear pela floresta, especialmente à noite, quando não havia ninguém para  gozar com ela.
 
Fui num desses passeios que conheceu um mocho. Ficaram logo amigos. Pois foi o primeiro ser que a menina conheceu que não gozava com ela. Talvez por ser velho e já ter visto muita coisa, ou apenas porque tinha ele próprio uns olhos para o grandito.
Fosse o que fosse, tornaram-se inseparáveis. O mocho mudou-se para a árvore da janela do quarto dela e passavam as noites a conversar.
A menina contava-lhe como sabia sempre o que ia acontecer. Porque via as coisas antes de elas acontecerem. O mocho achou aquilo estranho e aconselhou-a a pedir aos pais para a levarem ao médico.
 
E foi numa consulta de oftalmologia que se fez uma descoberta fantástica:
A menina, com aqueles olhos gigantes, via muito mais longe que qualquer outra pessoa. Na verdade via tão longe, tão longe, que via o dia seguinte. E se se concentrasse muito via ainda mais para a frente que isso.
 
O oftalmologista, explicou então à mãe da menina como é que aquilo acontecia.
Ela via de facto muito bem e assim conseguia dar várias voltas à terra com a sua visão. Ora dando várias voltas à terra, acabava por já estar no dia seguinte quando via o que estava a acontecer.
 
Um belo dia, quando tinha 12 anos, conheceu um rapaz. Na verdade conheceu-o de véspera, porque conseguiu vê-lo chegar, ainda ele estava longe dali, mas ele só a conheceu naquele dia. A menina estava sentada à entrada de sua casa, a fazer bolinhas de sabão e o rapaz sentou-se ao lado dela.
Ficou silencioso por um tempo e depois disse:
 
“Tens esses olhos assim grandes para me ver melhor?”
 
A menina fez mais 3 bolas de sabão, olhou para ele e sorriu. Tinha sido a pergunta mais simpática que já lhe tinham feito sobre os seus olhos. E foi então que aconteceu o que ela já tinha visto no dia anterior: deu o seu primeiro beijo e desde esse dia nunca mais se separaram. 

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